APROPRIAÇÃO CULTURAL E O NOME “TRIBAL” NA DANÇA E CULTURAS DE POVOS ORIGINÁRIOS

Um assunto que está bastante em discussão de alguns anos para cá, mas com mais visibilidade principalmente de 2016 em diante, é a questão da apropriação cultural. E o que é “apropriação cultural”? Basicamente, trata-se de uma estrutura racista nociva que oprime, apaga e silencia os demais, se utilizando de elementos de culturas de povos oprimidos sem imprimir a eles o devido significado e sem sofrer as represálias e preconceitos sofridos por quem é oprimido. Povos indígenas, negros, latino-americanos e mulheres – dançarinas de Danças do Ventre – que vêm de culturas de fundamentalismo religioso, como Arábia Saudita, Egito, Irã, Iêmen, entre outros – são casos emblemáticos que passam por apropriação cultural. 

Bem, na Cena Tribal mundial este assunto da antropologia, que hoje gera diversas reflexões também políticas, esteve bem polêmico, principalmente em 2020. E isso se deu tanto porque alguns grupos de povos originários americanos vinham questionando o uso do termo “tribal”, quanto de pessoas negras debatendo sobre a representatividade de mulheres negras (ou seja, estamos também falando de questões de gênero e raça) no cenário da Dança do Ventre estadunidense e mundial. Sobre esse tema, recomendo muito a leitura dessa matéria.

E para além da discussão muito bem redigida na matéria acima citada, o que eu gostaria de trazer aqui é o meu manifesto expressado das razões pelas quais escolhi deixar de usar o termo “Tribal” na dança que ensino (hoje incluo no meu método Dança Rito-Arte todas as danças que já estudei, como parte do que compõe meu programa de ensino), mas ainda existem colegas que eu também respeito e admiro da ‘Cena Tribal’ (se é que essa cena continuará com essa nomenclatura nos próximos anos), que optaram por manter o nome, pois têm também sua visão sobre o assunto. Deixo aqui as seguintes matérias para elucidar:

Da minha parte, vale ressaltar que o lugar da palavra TRIBAL que sempre me conectei nesta dança era o sentimento de grupo que se afina ou se sente pertencente à uma mesma raiz, uma fonte matriz, integração, coletividade. E foi uma grande desconstrução para mim chegar a essa decisão de colocá-la em desuso, já que por tantos anos me fez tanto sentido!!! e que inclusive em uma palestra que dei em um Seminário de Dança Tribal Ritualística no meio de 2020, eu ainda estava firme no propósito de continuar com o termo TRIBAL (Mas é isso! O mundo dá voltas, e rápido!) – link do seminário. Principalmente o que me estimulou a essa resolução do meu próprio conflito interno com a temática, além das exaustivas trocas com colegas de trabalho e amigues, foram as conversas que tive com representantes das etnias indígenas brasileiras Fulni-ô e Huni-Kuin. 

Perguntei a eles como eles se sentiam em relação ao uso da palavra TRIBO, que também no mesmo período estava sendo questionada aqui no Brasil, assim como a palavra ÍNDIO. E contei o que estava rolando nas discussões da ‘Dança Tribal’ (sigo usando entre aspas, para deixar claro que é um termo pouco usado em relação ao tamanho e complexidade dessa pauta e também por ser um termo que tem mais sentidos do que o sentido que eu mesma ratifico hoje). 

A resposta deles foi muito similar. Nenhum expressou uma opinião que confrontava ou negava o uso destas palavras, mas o que disseram foi que eles preferiam que termos como ALDEIA – no lugar de TRIBO -, INDÍGENA – no lugar de índio – e POVOS ORIGINÁRIOS – no lugar de TRIBAIS – fossem estimuladas, pois cada uma destas palavras continham sentidos que não representavam suas etnias e culturas. O que ficou expressado é que a palavra TRIBAL e TRIBO hoje vem com uma carga que não querem estar ligados, pois ela sugere guerras, conflitos, exploração dos povos originários em detrimento de conquistas de exploradores. Eles usam o termo ALDEIA também para falar sobre o local onde a casa deles está, sobre onde têm a sensação de pertencimento. Deixo aqui também outra matéria interessante sobre os termos TRIBO E ÍNDIO

Quero deixar expressado meu reconhecimento sim às estadunidenses que me formei, que foram grandes idealizadoras e difusoras deste movimento, para que ele se expandisse para além das suas fronteiras e chegasse até nós aqui no Brasil. E enfim ressaltar que no momento presente escolho usar DANÇAS ÉTNICAS FEMININAS para grupos em que trabalho MULHERIDADES e DANÇAS ÉTNICAS DE FUSÃO para grupos com inclusão de gêneros. Até porque isso gerou em mim um grande alívio em finalmente desconstruir o uso deste termo ‘TRIBAL’ que sempre deixou uma certa incógnita no ar para pessoas que tentavam entender a origem do termo me perguntando – “TRIBOS DE QUÊ?” “TRIBOS DE ONDE?” “É TRIBAL DE DANÇA AFRO OU DANÇA INDÍGENA?” Ufa! 

Então precisamos ficar atent@s à forma como nos relacionamos com as diversas culturas existentes ao redor do globo. Existe por trás da questão da apropriação de elementos, símbolos, costumes de um povo ou população que não corresponde à cultura imposta pela colonização, um processo de exclusão ao reforçar a exotização e a marginalização não só desses elementos, mas também reafirmação da exotização e marginalização dos indivíduos dessa cultura que não correspondem ao padrão ocidental e eurocêntrico. Segue uma outra referência de texto que traz reflexões interessantes sobre essa perspectiva da exotização e erotização de indivíduos e culturas.

O processo de apropriação é quando se tira o sentido de alguns símbolos, em especial os religiosos, se desumaniza os indivíduos dessa cultura e se entende que os mesmos símbolos quando usados por eles não têm valor. Alimenta-se os estereótipos racistas e, claro, se obtém lucros sobre esses símbolos sem o consentimento dos membros da cultura apropriada. Não falaríamos sobre apropriação cultural se houvesse respeito a todas as culturas da mesma forma, e, claro, se as pessoas entendessem que determinadas culturas e seus símbolos só podem ser usados caso haja consentimento ou ligação com essa cultura. 

E tudo isso também tem a ver com direitos autorais. Dar créditos à quem se dedicou para alguma obra ou criação ganhar vida. Tem a ver com respeito, valorização, reconhecimento e gratidão ao próximo. Afinal todos nós queremos ser bem tratados, ser reconhecidos em nossos valores, nos sentir gratificados pelo esforço que temos ou pela sensação de pertencimento à uma linhagem que viemos. Conhecer, reconhecer e estudar a fundo, se disponibilizar com humildade a um verdadeiro intercâmbio cultural com quem está guardando ou portando um saber, história, objeto, símbolo, linguagem que nos inspira é um dos primeiros passos para quebrar padrões estruturais de dominação, abuso e violência em todas as instâncias da existência. 

Falar de apropriação cultural me remete à consciência da ÁRVORE. Sem raízes bem fundadas uma árvore não dá frutos suculentos, maduros e nutritivos. E quando me refiro à nutrição quero dizer que todas as células daquele organismo como um todo devem ser consideradas, preservadas e cuidadas. Mesmo quando olhamos as flores e frutos e talvez não lembremos de tudo aquilo que veio antes fundamentando a existência dela, desde a semente até o oxigênio que emana para todos os seres de todo Planeta e a Biosfera. Cuidemos da matriz geradora sempre. Ela é tão inspiradora quanto única. Se qualquer parte dela for abusivamente explorada vai comprometer a existência de quem dela também se beneficia. E disso é o tempo quem se encarrega.

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